Automobilismo brasileiro ainda não teve um domingo para viver nas peles brancas e pretas o pedido para ‘acabar com o racismo’. CBA vê gesto liderado por Hamilton com bons olhos, e kartista negro relata ambiente amigável

O último domingo (5) nem bem havia começado e as redes sociais, principal plataforma para as manifestações de amor e de ódio no período de isolamento social pelo novo coronavírus, estava tomada por intensos debates. A imagem de 14 pilotos ajoelhados antes da largada para o GP da Áustria, em manifestação antirracista, enquanto seis permaneciam de pé era a responsável por voracidades quando o dejejum mal estava posto. A cena correu o mundo, mas espera por mais alguns dias para chegar efetivamente no país. Mais especificamente, no automobilismo brasileiro. 

Da abertura da Fórmula 1 para cá, o esporte a motor nacional não teve um grande evento e não pôde sentir nas peles brancas e pretas o que significou o pedido para ‘acabar com o racismo’, como estampavam os pilotos, incluindo os que se recusaram a seguir o gesto liderado por Lewis Hamilton. O hexacampeão carregava no peito a inscrição “vidas negras importam”, em referência ao movimento que voltou ao noticiário internacional com as passeatas pelo mundo após o assassinato de George Floyd por um policial branco, em maio, em Minneapolis, nos Estados Unidos. 

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Atenta ao que estava acontecendo, a CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) enviou a pedido do GRANDE PREMIUM o seu posicionamento sobre o racismo. Mais do que isso, ratificou a importância de Hamilton — cada vez mais ativo e, por isso, perturbador com relações a diferentes temas sociais — para além do esporte. 

“A CBA vê como imensamente louváveis e defenderá sempre as manifestações contra o racismo. O esporte em geral sempre foi um vetor de mobilização e conscientização social, e o automobilismo deve se inserir nesse contexto”, diz o texto. “Qualquer integrante do meio do automobilismo que levante bandeiras de causas essenciais, como a luta contra o racismo, e que busquem exclusivamente a construção de uma sociedade melhor terá o apoio da CBA.” 

Entre os que defenderam Max Verstappen, Antonio Giovinazzi, Daniil Kvyat, Carlos Sainz Jr, Charles Leclerc e Kimi Räikkönen, estava o argumento de que esses, bem-nascidos e bem-criados, não tinham o ‘lugar de fala’ necessário para se manifestarem contra o racismo. Além disso, o gesto, uma curvatura aos racistas (Räikkönen se defendeu dizendo que estava “em pé contra o racismo”), seria também uma espécie de apropriação cultural indevida. O episódio relembra fevereiro de 2017, quando uma estudante branca acusou mulheres negras de ofende-lá em uma rede social por usar turbante. A jovem fazia tratamento contra leucemia e impulsionou a hashtag “#VaiTerBrancaDeTurbanteSim”.

Sobre esse comportamento, a filosofa Djamila Ribeiro escreve em Pequeno Manual Antirracista que o debate estrutural da formação do Brasil deveria ser levado em conta. Para a escritora, a escravidão beneficiou economicamente a população branca por toda a história.

“O racismo é um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato de vontade de um indivíduo. Reconhecer o caráter estrutural do racismo pode ser paralisante. Afinal, como enfrentar um monstro tão grande? No entanto, não devemos nos intimidar. A prática antirracista é urgente e se dá nas atitudes mais cotidianas”, diz.

Lewis Hamilton, end racism
Hamilton chegou ao circuito austríaco pedindo fim do racismo (Foto: Reprodução/Twitter/@LewisHamilton)

Na outra ponta — entre os que estavam com Sebastian Vettel, Alexander Albon, Pierre Gasly, Lando Norris, Sergio Pérez, Lance Stroll, George Russell, Nicholas Latifi, Esteban Ocon, Daniel Ricciardo, Romain Grosjean, Kevin Magnussen, Valtteri Bottas, além de Hamilton —, havia a ideia justamente de chamar a atenção para uma causa humanitária e, por isso, sem o medo da ‘unanimidade burra’. A exigência de um posicionamento dado o agravado momento histórico e o apoio a um grupo, o “race as one” (“corremos com um só, na tradução do inglês), também estavam entre a defesa.

“Para mim, foi um capítulo importante no progresso de fazer a F1 um esporte mais diverso e inclusivo. Eu quero um futuro melhor para nossas gerações e as que virão depois. Há muito que precisa ser feito”, disse Hamilton. 

“Foi um capítulo importante no progresso de fazer a F1 um esporte mais diverso e inclusivo. Há muito que precisa ser feito”, disse Hamilton. 

“Estou muito comprometido com a igualdade e a luta contra o racismo. Mas acredito que todos têm o direito de se expressar”, contrapôs Verstappen. “Acredito que importam mais os fatos e comportamentos no nosso dia a dia do que gestos formais”, completou Leclerc. 

Se existiram, as manifestações dos principais pilotos que atuam no Brasil ficaram ofuscadas no domingo por fotos de carros, treinos físicos e momentos em família. Segundo relatos de quem acompanha de perto diferentes eventos, o ambiente das corridas pelo país inteiro é muito agradável e estaria vedado “a qualquer forma de discriminação em virtude de raça, sexo, cor, origem, condição social, idade, porte ou presença de deficiência e doença não contagiosa por contato social”, como lembram plaquinhas de elevadores.

Flávio Alves, coordenador de infraestrutura de uma empresa automobilística por profissão e kartista por paixão, também atesta o bom ambiente nas corridas e eventos. Hoje com 43 anos, ele já ouviu um sem-número de apelidos por conta da cor da pele, mas garante que nunca ligou. No kart, o vencedor de uma etapa da 3ª Copa GP de Kart lembra que fez inúmeros amigos e foi sempre tratado com muito respeito. 

Flávio Alves, Copa GP de Kart
Alves conta que há poucos kartistas negros (Foto: Gabriel Pedreschi/Grande Prêmio)

“O kartismo é o resumo do que aconteceu na minha vida inteira. Você vê pouco negros andando no kartismo. Mas sempre fui muito bem recebido, sempre tive uma boa comunicação, sempre me trataram muito bem e olha que conheço muita gente, em muitas equipes. Tenho algumas amizades nesse meio também”, diz. “Como competição, tem toque, claro, mas é coisa de competição e não passa de uma discussãozinha de boxe. Nunca tive problema em nenhuma corrida com injúria racial ou coisa do tipo”, diz Alves.

À parte as provas de kart e a Copa Truck, primeiro grande campeonato a retomar as atividades de pista, a Stock Car tem a sua primeira etapa prevista para 19 deste mês. A principal categoria do automobilismo do país teve a sua etapa inaugural adiada pela pandemia do novo coronavírus e depois frustrada no fim de junho pela suspensão de atividades não-essenciais no Paraná. Até o momento, não é de conhecimento público nenhuma manifestação antirracista no autódromo de Santa Cruz do Sul (RS).

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