A Fórmula E consegue realizar as corridas finais da temporada em Berlim, mas com obstáculos físicos, mentais e logísticos. Os seis ePs em nove dias são um feito incrível, mas que não impede o clima estranho no Tempelhof

O esporte a motor varia muito de acordo com cada categoria, mas tem um formato tradicional. Dia de treinos, dia de classificação, dia de corrida. Volte daqui uma ou duas semanas, repita tudo outra vez. Pilotos de alto nível estão acostumados com isso. Mas o que fazer quando uma pandemia força a realização de seis corridas em um espaço de nove dias? Com uma verdadeira maratona em Berlim, a Fórmula E desafia limites físicos, mentais e logísticos para encerrar a temporada 2019/20, mas sem evitar a sensação de estranheza com o suposto novo normal.

São seis corridas em nove dias. No momento da publicação desta reportagem, quatro já se passaram e o campeão já foi decidido – António Félix da Costa, que conseguiu incríveis três vitórias seguidas. Isso, entretanto, não quer dizer de forma alguma que o fim de temporada já não interessa mais. Trata-se ainda de um experimento raro sobre o que é possível em termos de formatos no esporte a motor.

A Fórmula E superou obstáculos para encerrar a temporada em Berlim (Foto: Fórmula E)

A primeira grande questão é o estado de pilotos e funcionários de equipes. Apesar de o formato de até mesmo três corridas no mesmo fim de semana ser recorrente em categorias formadoras, é inexistente em campeonatos de ponta. Campeonatos como a Indy e a própria FE fazem no máximo duas provas em dois dias, e isso já sabendo do alto desgaste implicado. Afinal, uma categoria de nível mundial exige muito mais do que uma F4. É aí que entra o ponto de maior cuidado: garantir que o lado mental, mais até do que o físico, suporte a maratona.

“A Fórmula E é mais um estresse mental do que um estresse físico”, reflete Lucas Di Grassi, piloto da Audi na FE, ao GRANDE PREMIUM. “A corrida é relativamente curta e eu estou preparado, apesar de o volante ser pesado. Acho que o mais difícil vai ser o estresse mental e emocional em uma disputa por campeonato. Sem erros, concentração total, tentando motivar mecânicos e engenheiros. Essa vai ser a parte mais difícil”, continua.

“O lado mental é muito mais importante do que o lado físico, apesar de o físico ser importante também”, segue Felipe Massa, piloto da Venturi, também falando ao GP*. “Acredito que a maioria dos pilotos seguiram treinando fisicamente, como o Lucas e eu”, destaca.

Massa traz um ponto importante: é importante seguir em forma, ainda mais em uma série de corridas após cinco meses de hiato, mas ninguém deve ter problemas com isso. A explicação é até simples: ao contrário de categorias como Indy e F1, que expõem pilotos a alto desgaste físico durante aproximadamente 1h30min de prova, a FE sofre muito menos com Força G e traz corridas de 45 minutos. De quebra, todos tiveram tempo de sobra para fazer exercícios em casa. Parece corriqueiro, mas nem tanto: campeonatos cheios significam que o período de férias se mistura com o de recondicionamento físico. Com cinco meses de paralisação, simplesmente não há desculpa para não deixar o corpo em forma.

“Eu fico bem menos preocupado com a parte física, até porque treinei bastante”, conta Di Grassi. “Nunca treinei tanto quanto nesse lockdown. Treinava todo dia, então fiquei em uma forma física muito boa. Consegui manter o nível de antes e durante o campeonato”, compara.

Os pilotos enfrentaram novos desafios, principalmente do ponto de vista mental (Foto: Fórmula E)

A corrida contra o relógio

Muito se fala sobre seis dos nove dias em Berlim, mas os outros três são tão importantes quanto. A decisão da Fórmula E de correr em três layouts diferentes da pista de Tempelhof criou um desafio logístico: seria necessário fazer ajustes profundos no único dia livre entre as corridas dois e três e nos dois dias entre a quatro e a cinco.

A primeira mudança foi do traçado na direção oposta para a direção tradicional. Parece simples, mas não muito: por questões de segurança, foi necessário realocar barreiras de proteção para criar novas áreas de escape. Além disso, algumas zebras foram modificadas, já que o traçado dos pilotos também muda com a inversão da direção.

Desafio maior, entretanto, é a mudança do segundo para o terceiro traçado. Nada menos do que dez curvas serão modificadas ou criadas, criando um Tempelhof mais sinuoso para os pilotos. Os desafios são dobrados, com a realocação de barreiras de proteção tomando agora dois dias de trabalhos intensos para a equipe de pista. Mesmo que o trabalho já tenha sido parcialmente adianto nos dias anteriores, não é exagero falar em corrida contra o relógio.

Para equipes e pilotos, os dias não são necessariamente de descanso e mordomia. Em que pese o alívio maior na segunda-feira (10), a terça já é de atividades visando as corridas de quarta e quinta.

Tempelhof virou casa da FE, que aposta no uso de três traçados diferentes (Foto: Fórmula E)

O suposto novo normal

Assim como outras categorias, a Fórmula E tem enormes desafios no retornos às pistas. A maratona de Berlim acontece ainda em um momento de temor na Europa, que lida com a possibilidade de uma segunda onda de infecções. Com o Tempelhof localizado no coração de uma das maiores cidades do continente, o trabalho precisa ser redobrado para evitar todo e qualquer exame positivo para Covid-19, que já seria suficiente para desencadear efeito cascata e colocar em xeque a sequência do evento.

Isso respinga nos pilotos, que lidam com um paddock essencialmente anêmico em meio a uma série de corridas decisivas. A FE, que sempre se orgulhou de correr dentro de cidades e com o público muito próximo, perde parte do brilho.

“São medidas extras, mas que temos de respeitar”, reconhece António Félix da Costa, falando ao GP* sobre a nova realidade da FE. “Não é a gente quem manda, são os governos. Se esse é o jeito de voltar a correr, que seja assim. A Fórmula E é uma família e nós corremos juntos pelo mundo. Pilotos, mecânicos e engenheiros de qualquer equipe. É estranho porque é um ambiente mais morto no paddock”, avalia.

“Aqui é uma situação estranha”, complementa Di Grassi. “É pista e hotel, pista e hotel, não dá para fazer muita coisa, apesar de que em Berlim está tudo aberto. A cidade está com tudo aberto. O que está fechado e restrito é o ambiente da Fórmula E, que é bem diferente de outras categorias do esporte a motor, porque a gente consegue escutar o público. É muito mais parecido com um estádio de futebol. O público fica mais distante na Fórmula 1, na Stock Car, porque o barulho do motor é mais alto que qualquer coisa. Na largada [da FE], você consegue escutar tudo”, fala.

Máscaras para todos os lados, tentando combater a alta quantidade de pessoas no mesmo ambiente: o novo normal da FE (Foto: Fórmula E)

“Isso que é diferente. [Não ter] a parte de mídia, o público, nossos afazeres. [Não ter] reunião, correr para fazer evento com patrocinador, correr para fazer a tomada de tempo, correr para a sessão de autógrafo… Tá parecendo mais um dia de treino do que um dia de corrida”, lamenta.

A temporada 2019/20 da FE vai terminar sem uma grande festa e, de certa forma, sem entregar o mesmo produto de anos anteriores. Não só pela caça ao título que acabou monótona, mas também por, em meio a uma pandemia, não conseguir ser aquela mesma celebração da cultura elétrica de outrora. Os obstáculos foram muitos e tiraram um pouco do brilho. Ainda assim, concluir uma maratona em Berlim segue sendo motivo de celebração.

Como chegamos a esse ponto?

A paralisação causada pela pandemia do coronavírus foi negativa para todos, mas foi particularmente ruim para uma Fórmula E que já tinha realizado cinco ePs e que precisava encerrar a temporada até meados de 2020. Chegamos ao segundo semestre ainda com uma situação delicada na maior parte do mundo, mas a categoria não podia esperar mais.

O problema era saber onde correr. Os ePs de Sanya, Roma, Paris, Seul, Jacarta, Nova York e Londres foram todos cancelados. Não por falta de interesse das respectivas organizações, mas pela dificuldade de se deslocar até lá. Nascia o plano dos seis ePs de Berlim, tirando proveito da abertura progressiva da Alemanha, que aplica medidas cada vez menos restritivas.

“Nós precisávamos trabalhar nessa situação séria e encontrar alguma forma de recomeçar”, diz Frederic Espinos, diretor esportivo da FE. “Tivemos muitas alternativas, muitas possibilidades, e finalmente percebemos Berlim. É o único lugar em que podemos deixar todos em uma bolha, com todos ainda juntos”, segue.

Mesmo que a FE já esteja de volta, engana-se quem pensa que os ePs de Berlim representam o fim dos problemas. A categoria já anunciou que a temporada 2020/21 terá começo tardio, apenas em janeiro de 2021. O plano é óbvio: torcer para a crise viral estar sob controle até lá e para que uma segunda onda não cause problemas graves. É fundamental: ninguém quer voltar a ficar preso no Tempelhof para terminar mais um campeonato ano que vem.

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