O jornalista Leandro Iamin faz relato pessoal de como o GP de Portugal, de volta após tanto tempo, é parte de sua vida e da relação com o pai

*Por Leandro Iamin

Meu pai tinha uma caligrafia cinematográfica. Eram desenhos, não letras, e era difícil até de entender algumas cartas. Ele também tinha um vício, que lhe custou, primeiro, o casamento. Depois custou o resto. Eu, com poucos meses de vida, em pleno auge da existência, fui testemunha sem memória de uma agressão, e, no colo de minha mãe, parti de Cuiabá para São Paulo. Aquele casamento estava encerrado de forma precoce.

Com o tempo, meu pai, definhando em relação a tudo que entendemos por “vencer na vida”, passou a morar na rua. Este foi o seu lugar até sua morte. Dormiu em albergues, transitou por diversas cidades e estados, uma vida sem registros nem testemunhas que pudessem contar para mim, filho e jornalista, algum causo, alguma coisa, sobre seus últimos 14 anos de vida, notadamente os 14 anos que eu tinha quando o telefone tocou em casa e um gentil senhor religioso que o ajudava nos informava de sua morte.

O casamento acabou, mas o amor ficou. A agressão não alterou isso. Mamãe não se permitiu voltar, mas não o detestou nunca. Ainda hoje lida, imagino, com o sentimento de que o homem que amou, pai de seu filho, viveu na rua, e poderia, com um gesto dela de perdão, voltar a ter um teto. Entendo os dilemas. Acho que ela acertou em resistir. Sem maiores julgamentos e em nome desse carinho, ela permitiu que meu pai, ao longo da minha infância, me visitasse. E eram encontros estranhos.

O traçado do Estoril, casa da maior parte dos GPs de Portugal (Foto: WSBK)

Até meus 8 anos, ele apareceu. Foram mais de 5 e menos de 10 encontros, não posso precisar, não lembro e aprendi a lidar com os buracos e os lapsos. É como minha relação com ele se deu, afinal. Ele estava sempre cheiroso, e mais tarde pude entender que mamãe cuidava disso. Um banho, uma roupa legal, barba feita, e eu encontrava meu pai sem traços tristes aparentes. Um arranjo cosmético que funcionou mais do que as aparições do Papai Noel. O arranjo econômico eu não sei qual era, mas ele aparecia e ficava um pouco comigo. “Ele gosta de sorvete de limão”, alguém disse, e lá estava ele com sorvetes de limão para mim.

Na última de suas visitas, pelo menos a última que me lembro, ele apareceu de surpresa (para mim) enquanto eu, na mesa da sala, desenhava. O jornal do vovô tinha a pista do GP de Portugal, e eu desenhava a pista numa folha sulfite. Meus desenhos infantis consistiam em Palmeiras, São Paulo, Senna e Fórmula 1 (é importante separar Senna e Fórmula 1, né?). Ele apareceu, e pra mim era constrangedor, pelo que posso me lembrar. Sentia medo de aquilo ser imposto à minha mãe, de ela não gostar de alguma felicidade minha. Além disso, era meu pai, mas isso não significa que tínhamos assunto. E intimidade é a única coisa impossível de fingir. Era aflitivo, mas legal.

Ele perguntou o que eu estava fazendo. Eu respondi. O traçado da pista de Portugal. Foi uma tentativa inteligente a dele, mas acabou rápido o assunto, uma pergunta devidamente respondida. Não lembro qual assunto ou não-assunto veio depois, mas lembro que ele pegou uma caneta e fez uso de sua espetacular caligrafia. Escreveu no alto da folha: “Estoril”. Sua interferência em meu desenho causou algo de positivo em mim, já que dela nunca me esqueci. Senti algo parecido com orgulho, ei, vejam, meu pai legendou meu desenho, meu desenho da pista de Portugal tem o selo do meu pai.

“Estoril”. E nunca mais o vi.

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